quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Homo Economicus


Na revista Veja da semana passada havia uma matéria amedrontadora: a humanidade já consome mais recursos do que o planeta produz. Anuncia-se um colapso total num tempo não muito distante. Numa outra página há uma matéria lamentando a provável recessão e a queda no consumo em virtude da crise nos States. É claro que as duas matérias foram escritas por pessoas diferentes, com opiniões diferentes sobre consumo e sustentabilidade e apontam para a dicotomia existente na nossa sociedade. Sabemos que estamos destruindo o planeta com nossa voracidade por recursos, mas não queremos desacelerar a economia. Por isso cria-se artifícios para vender o que não existe e fazer dinheiro de mentira – o estopim da crise.

Afinal de contas a crise deveria ser considerada benéfica, pois desaceleraria o consumo e é isso o que o planeta está precisando. Mas não é assim que o "alto comércio" deseja. Pelo contrário, as economias mundiais parecem desejar que o consumo permaneça alto e que os recursos do planeta se esgotem e então tenhamos uma crise permanente com escassez de verdade e não apenas o estouro de uma bolha.

Você já parou para pensar em quais bens de consumo são dispensáveis? Sem quais você viveria? É uma análise difícil. Não queremos abrir mão de nada, mas lamentamos as florestas devastadas, os mares e os ares poluídos. O trânsito está ruim, mas ninguém quer abrir mão do conforto do automóvel em relação ao transporte público. Você é mais homo sapiens ou homo economicus? Pense bem, muito bem e se surpreenderá com a resposta.

Sabe aqueles filmes de ficção científica em que a Terra é invadida por uma espécie que esgotou seu próprio planeta e agora quer se mudar para cá a fim de fazer o mesmo? Tem um fundo de verdade aí, só que os verdadeiros gafanhotos não virão de fora. São filhos da Terra mesmo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Mulher Estranha


Para ter algum descanso do trânsito de Sampa, decidi vir trabalhar de trem hoje. Trata-se de um ambiente absolutamente desprovido de conforto, mas leva em traz com considerável ganho de tempo, em relação aos automóveis.

As pessoas dentro do trem estão mais egocêntricas do que nunca. Mal olham umas para as outras e seus aparelhos de mp3 dão-lhes uma força no quesito “se isolar”. Assim, o passageiro entra, coloca seus fones de ouvidos e, sentado ou em pé, esquece-se de tudo à sua volta, até porque isso torna a viagem menos enfadonha e sofrível.

Hoje, apesar de minha própria redoma invisível também estar ativada, estava prestando atenção a uma mulher “diferente” que estava sentada bem à minha direita (eu estava em pé, porque quem entra em Franco da Rocha fica sempre em pé). Tinha uma aparência bem simplória, se vestia toda colorida, e parecia estar terminando de se arrumar no trem. Devia ter acordado atrasada e dava os últimos retoques à estranha aparência e à higiene ali mesmo, no meio de todo mundo. (Afinal, uma mulher mais fina faz isso dentro de seu carro, mesmo que isso coloque em risco as vidas das pessoas fora dele...).

Então flagrei o momento em que ela desavexadamente tirou um tubo de creme dental da bolsa, passou um pouquinho na ponta do indicador e meteu entre os dentes, e, depois de massagea-los, ficou fazendo bochechos com o produto. Pensei: “Essa é arretada mesmo”. São Paulo é isso! Tem gente de todas as formas, cores e tamanhos. Mas gente sempre me surpreende.

Não demorou muito e entrou no trem um senhor bem velhinho e rumou para perto dos bancos, para tentar a sorte, já que ceder lugar, até para idosos, se tornou tão raro quanto ouvir um muito obrigado. Nos trens da CPTM ocorre um efeito interessante quando uma grávida, mulher com criança no colo, ou um idoso entra no vagão. Imediatamente a maioria dos sentados caem no mais profundo sono, outros perdem a visão periférica e passam a olhar fixamente na direção contrária ao indesejado passageiro. Ninguém se levantaria para o velhinho, exceto quem? A mulher da pasta de dente. Foi só ela ver aquele senhor em pé e prontamente ofereceu-lhe o lugar. E não só isso. Ela fez com que aceitasse sem culpa, explicando-lhe que ficaria bem.

Aí estava mais um “morde a língua Nilton”. Eu, que sairia do dali só para contar que vi uma mulher escovando os dentes no trem, agora formulava como contar que a mulher mais estranha do vagão era também a mais pronta a ajudar, a mais solidária. Amaldiçoei a estética, porque essa droga enverniza pessoas abomináveis fazendo-as parecer boas e nos faz fechar os olhos para a simples bondade que pode existir até nas pessoas mais estranhas. “Ponto para a estranheza!”. Não é feio ser estranho e ter hábitos não muito ortodoxos. Feio é ser insensível às mazelas da vida. E, Niltão, a verdadeira beleza está além do que os seus pobres olhos óticos podem ver.